INFORMAÇÕES SUPLEMENTARES

FORTUNA E SUA RODA

Fortuna (equivalente à deusa grega Tique) era a deusa da fortuna e a personificação da sorte na mitologia romana. Ela pode trazer boa ou má sorte, sendo algumas vezes representada com a vista vendada (como a moderna imagem da justiça) ou cega, pois distribuía seus desígnios aleatoriamente. Em outros quadros e desenhos, Fortuna é representada girando sua Roda da Fortuna (Rota Fortunae) de forma aleatória, mudando as posições das pessoas sobre a roda: algumas sofrem grande infortúnio, outras ganham lucros inesperados.


Imagem: Fortuna, quadro de 1754
do artista polonês Tadeusz Kuntze (1733-1793) (Wikimedia Commons).
   
Imagem: Fortuna e Sua Roda,
miniatura do século XV (Wikimedia Commons).


PROBABILIDADE GEOMÉTRICA, A AGULHA DE BUFFON E ESTEREOLOGIA

Seguindo [Wagner, 1997], considere a situação onde um atirador, com os olhos vendados, tenta acertar um alvo circular com 36 cm de raio tendo no centro um disco vermelho de 3 cm de raio. Se soubermos que o atirador acertou o alvo, qual é a probabilidade de que ele tenha atingido o disco vermelho central?

Note que, aqui, o espaço amostral é infinito (todos os pontos do alvo), como também é infinito o conjunto dos casos favoráveis (todos os pontos do disco vermelho central). Mesmo não podendo “contar” casos possíveis e casos favoráveis, é bem razoável considerar que a probabilidade de acertar o disco central deve ser a razão entre as áreas do disco e do alvo, no caso 1/144, menos de 0.7% (como o atirador está vendado, não existem pontos privilegiados no alvo). Este é um exemplo de probabilidade geométrica: se tivermos uma região B do plano contida em uma região A, admitimos que a probabilidade de um ponto de A também pertencer a B é proporcional à área de B e não depende da posição que B ocupa em A. Portanto, selecionado ao acaso um ponto de A, a probabilidade de que ele pertença a B será: p = (área de B)/(área de A). A Parte 4 faz uma simulação através da qual é possível estimar o valor do número π usando probabilidade geométrica (no caso A é um quadrado e B é o círculo inscrito no quadrado). Probabilidades geométricas também podem ser definidas para regiões no espaço: ao invés de áreas, volumes são considerados. A Parte 5 faz uma simulação através da qual também é possível estimar o valor do número π, usando agora regiões no espaço (no caso A é um cubo e B é a esfera inscrita no cubo).

Um outro problema de probabilidade geométrica bem interessante foi proposto pelo naturalista francês George Louis Leclerc (1707-1788), Conde de Buffon: suponha que você esteja em uma sala cujo chão é feito de ripas retangulares de madeira, todas com largura d. Ao se jogar uma agulha de comprimento a, com a ≤ d, qual é a probabilidade da agulha ficar sobre um reta divisória de duas ripas? Usando cálculo integral, é possível demonstrar que esta probabilidade é igual a p = (2 a)/(d π).

Estas conexões entre probabilidade e geometria formam a base da estereologia, campo interdisciplinar cujo objetivo é estudar propriedades geométricas de objetos tridimensionais usando métodos de amostragens: sondas geométricas (como pontos, retas, planos e regiões volumétricas) são “jogadas” em um objeto tridimensional de interesse. A dimensão da sonda geométrica depende do que se quer medir no objeto: para se medir o volume do objeto, as sondas são pontos; para se medir uma área no objeto, as sondas são retas; para se medir comprimentos no objeto, as sondas são planos; para se contar “pontos” no objeto, as sondas são regiões volumétricas. Em cada caso, a interseção da sonda com o que se quer medir no objeto são entidades de dimensão zero: pontos. Se as sondas são geradas aleatoriamente de forma apropriada, uma contagem destes pontos fornecerá uma estimativa para a medida que se quer realizar. São estes métodos matemáticos que permitem, através de um aparelho de raios-X, obter medidas de objetos no interior do corpo humano, medidas estas que são inacessíveis de forma direta. A informação de que os pulmões humanos tem uma superfície (de troca gasosa) equivalente a um campo de tênis foi obtida usando métodos estereológicos. Outras áreas que usam estereologia: petrografia (ramo da geologia que trata da descrição e classificação sistemática das rochas, especialmente através do exame microscópico de seções delgadas), ciência dos materiais, histologia e neuroanatomia.

É importante diferenciar estereologia de tomografia computadorizada. Em tomografia computadorizada, o objeto de interesse é completamente reconstruído a partir de suas seções planas e, a partir desta reconstrução, medidas podem ser feitas. Em estereologia, o objeto não é reconstruído. As medidas são estimadas usando-se processos de amostragem através de sondas geométricas.


O QUE É ALEATORIEDADE?

Definir o que se entende por um número ou evento aleatório é ainda uma questão polêmica, sendo debatida por psicólogos, filósofos, matemáticos, físicos e cientistas da computação. Por exemplo, você pode pensar que o lançamento de uma moeda honesta pode gerar um evento aleatório com probabilidade “1/2” para cara e probabilidade “1/2” para coroa. Mas o lançamento de uma moeda é um processo determinístico (complexo, mas ainda determinístico), regido pelas leis da Física. De fato, o artigo [Diaconis, Holmes, Montgomery, 2007] descreve um experimento onde, através de um ajuste de velocidade inicial e momento angular, uma moeda lançada por uma máquina sempre dá como resultado cara. Os excelentes artigos [Volchan, 2004] e [Volchan, 2002] apresentam e discutem as várias definições propostas para a noção de aleatoriedade. O primeiro artigo está disponível aqui. O segundo artigo, mais completo e em inglês, está disponível aqui (ou aqui).


O QUE É O MÉTODO DE MONTE CARLO?

Apresentamos aqui a explicação dada no livro [Shonkwiler, Mendivil, 2009]: o Método de Monte Carlo é uma técnica de análise de fenômenos através de algoritmos de computador que empregam essencialmente a geração de números aleatórios. O nome “Monte Carlo” foi dado por Stanislaw Ulam (1909-1984) e John von Neumann (1903-1957) que inventaram o método para resolver problemas de difusão de nêutrons relacionados com projetos de armas nucleares no Laboratório Nacional de Los Alamos, Estados Unidos, por volta de 1940.


NÚMEROS VERDADEIRAMENTE ALEATÓRIOS

De acordo com os princípios da Mecânica Quântica, há eventos que são intrinsecamente aleatórios, sem a possibilidade de se prever os resultados, mesmo que sejam conhecidas todas as propriedades do fenômeno físico em questão. Por exemplo, um fóton (partícula elementar da luz) possui 50% de chance de atravessar um filtro polarizador que esteja defasado em 45° em relação seu ângulo original de polarização. Neste caso, segundo os princípios da Mecânica Quântica, é absolutamente impossível prever o resultado, mesmo que se conhecesse tudo sobre o fóton imediatamente antes de ele passar pelo filtro. Isto acontece porque o fóton é uma partícula indivisível, ou seja, ou ele passa ou ele é retido pelo polarizador e o único fator que influi neste resultado é a diferença entre seu ângulo e a inclinação do filtro polarizador. Desta forma, é possível construir geradores de números verdadeiramente aleatórios, como os geradores da empresa IdQuantique.

Estas propriedades físicas também podem ser aplicadas à Criptografia. Utilizando a transmissão de fótons polarizados através de fibra ótica, duas pessoas conseguem combinar uma sequência aleatória comum, que pode ser utilizada posteriormente como chave para enviar uma mensagem secreta. Procedimentos deste tipo são chamados de Criptografia Quântica. (Autor desta nota: Luis Antonio Brasil Kowada.)


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